sábado, 17 de julho de 2010

Minha vizinha e o fim do mundo

Todo dia quando eu passo pela rua de manhã, vejo uma doninha lavando a calçada. Fico com bastante pena de ver a água cristalina saindo pela mangueira enorme, pra lavar as marcas.

“_Será o que ela tá lavando com essa água tão limpa?” Registros de pessoas e carros que por ali passaram. Mas precisa lavar tanto? Lava calçada e não satisfeita lava a rua asfaltada. Não pode esperar a chuva que já se demora. E está bastante seco, e nem um pingo. Daqui a pouco já se discute uma racionalização do precioso líquido, será como ela vai arrumar?

A água suja de pés e pneus vai descendo a rua e entra na bueira. Imagino o seu caminho sujo até chegar lá embaixo e sujar o rio. Não há tratamento que dê conta de tanta porcaria, e não há tratamento de fato.

Dá vontade de aconselhar “_Lava tanto não! Água essa tem pedaços de gente, de sentimentos de todos os tipos, marcas de pessoas que pisaram por aqui, que passaram rápido ou devagar com seus pensamentos!” Mas será que ela ouviria? Ou compreenderia? Ou então “_O que limpas tanto?”

Pergunta de psicólogo querendo que o paciente descubra por si mesmo. O problema é que tem paciente surdo.

E a água passageira e limpadora vai lavando os rastros, escorrendo, fazendo o trabalho da chuva que não vem.

Tenho notícias de que choveu no Nordeste a ponto de carregar gente. É água rebelde dando o troco para os desavisados. Na verdade água é mulher, e mulher é vingativa. E quando resolve passar o rodo pega quem tiver na frente, como um trator sem motorista. Também lavo o terreiro e às vezes até jogo água na rua, mas águas que lavaram as roupas sujas daqui de casa. Hoje mesmo tô jogando fora tudo que não presta: o cansaço e a revolta de lavar tanto, o fabricante de sabão que deve ter um contrato com os fabricantes de máquinas, a poeira de dias não choventes, a falta de uma mangueira interior que transporte esse tanto de sentimento pra fora do corpo.

Talvez se a natureza tivesse como Deus, seus dez mandamentos, alguns deles seriam: Não jogar água fora; não desfazer os rastros de pessoas; não limpar demais aquilo que não é limpável; não derramar; ter mais cuidado com aquilo que a natureza te deu.

Lá vou eu de novo rua afora, e tá ela lá de novo esguichando água, parece que quer conversar, passo depressa, já pensou se eu paro e ela fala enquanto a água escorre? Mais desperdício.

Ai...queria dar aula pra ela, penso que é pretensão. Dona tão boazinha e tão limpadora! Que posso dizer?

Melhor ir pra escola e prevenir crianças desacabadas sobre a possibilidade do fim do mundo, sem água. Deus não teria tanta pra repetir dilúvio.

Um comentário:

  1. Que lindo Cida, muito verdadeiro e profundo, e ate poetico tudo o que está escrito aí! Ah, que saudades!

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